O FUTURO DE UM SETOR

Caprinos e ovinos: ciência abre novas oportunidades na produção de espécies

Há 50 anos, Embrapa desenvolve soluções para aumentar eficiência na caprinocultura e ovinocultura e se prepara para promover a inovação tecnológica viabilizando o desenvolvimento sustentável

O Brasil é o 18º produtor mundial de ovinos e o 21º de caprinos. A ovinocultura e a caprinocultura são atividades expressivas especialmente nas regiões Nordeste e Sul. A primeira abriga cerca de 90% dos rebanhos de caprinos e 60% dos rebanhos ovinos.

De acordo com dados do Centro de Inteligência e Mercado de Caprinos e Ovinos (CIM), há potencial para ampliação da produção de carne, leite e seus derivados. Além dos tradicionais mercados locais da agricultura familiar que podem ser fortalecidos, emergem novas oportunidades como o mercado industrial, boutiques de produtos regionais, alta gastronomia, insumos para probióticos, nutracêuticos e matéria prima para confecção de produtos e acessórios derivados do couro.

Os cenários que se anunciam no presente e no futuro para a caprinocultura e a ovinocultura brasileiras apontam para a produção de tecnologias que promovam o desenvolvimento das atividades de forma sustentável, incluindo sistemas de produção mais eficientes, uso de ferramentas modernas de tecnologia de informação para tomada de decisão, insumos veterinários livres de resíduos, melhoramento genético animal e vegetal, entre outros. Esses temas estão no foco da atuação da Embrapa Caprinos e Ovinos (Sobral, CE), criada na década de 1970.

Passados quase 50 anos, a unidade da Embrapa tem sua agenda de pesquisa voltada a desenvolver soluções para problemas reais prospectados nas cadeias produtivas de caprinos e ovinos. Contando com a participação de agricultores familiares, produtores, associações de produtores, cooperativas, agroindústrias e instituições governamentais e não governamentais.

Além disso, Em sua missão, tem utilizado a ciência para a consolidação do espaço rural como um ambiente de oportunidades de desenvolvimento, geração de emprego e renda e a inclusão de jovens e mulheres na atividade pecuária.

“O conhecimento gerado em cinco décadas de pesquisa permite que a Embrapa tenha uma base tecnológica potente com soluções aplicáveis, levando benefícios para a sociedade”, comenta Ana Clara Cavalcante, atual chefe-geral da Embrapa Caprinos e Ovinos.

Histórico: dos pacotes tecnológicos à atenção a necessidades específicas

Os objetivos da criação da Embrapa Caprinos e Ovinos, na década de 1970, voltavam-se a produzir tecnologia aplicada para o desenvolvimento da caprinocultura e da ovinocultura no Brasil e aumentar a eficiência econômica e social das duas atividades.

A expectativa era de ocupação dos espaços marginais do bioma Caatinga, onde não se podia praticar agricultura intensiva, por impedimento à mecanização agrícola em solos rasos, e onde a criação de animais de grande porte era inviável.

“O aumento da produtividade por área, de carne e leite de animais de médio porte, exigia a geração de tecnologia capaz de melhorar a renda dos pequenos pecuaristas nordestinos. A proteína de origem animal acessível na época era a carne desses animais e o leite da cabra supria as deficiências alimentares de crianças sertanejas. A caprinovinocultura configurava-se como exploração secundária das propriedades rurais. A mortalidade de animais jovens era muito grande, o rendimento de carcaça deixava a desejar, o odor característico discriminava o consumo, além do pouco conhecimento científico, o que comprometia o desenvolvimento da criação”, conta Darlan Filgueira Maciel, que chefiou o centro de pesquisa de 1976 a 1979.

Maciel acredita que o trabalho de seleção de raças, melhoramento genético, reprodução programada com inseminação, manejo adequado dos rebanhos, instalações apropriadas e a utilização correta de pastos e arbustos nativos e introduzidos fizeram a diferença para o desenvolvimento da caprinocultura e da ovinocultura no Brasil.

A opinião é endossada por outro ex-chefe-geral, Evandro Holanda, que esteve à frente da Unidade de 2009 a 2015. Ele afirma que antes da criação da Embrapa Caprinos e Ovinos, o conhecimento sobre os indicadores de desempenho zootécnico, comportamento alimentar, reprodutivo e as principais doenças e parasitas de pequenos ruminantes não estavam sistematizados.

“A Embrapa exerceu um importante papel na coleta e sistematização dessas informações, o que permitiu que fossem desenvolvidas soluções como os programas de melhoramento genético, os sistemas de manejo alimentar, os protocolos de controle de doenças e parasitas e outros componentes tecnológicos dos sistemas de produção”.

Dessa forma, para enfrentar os desafios iniciais, os primeiros gestores trabalharam no levantamento do estado da arte dessas atividades no Brasil. De acordo com Elino Alves Moraes, que ocupou a chefia-geral da Embrapa Caprinos e Ovinos de 1979 a 1981, entre as maiores dificuldades estava a pouca rentabilidade dos sistemas de produção.

A introdução de novos modelos requer mais investimentos e havia poucas linhas de financiamentos disponíveis. À época, a primeira estratégia utilizada foi a elaboração dos pacotes tecnológicos com documentos de recomendações elaborados por pesquisadores, extensionistas, produtores e convidados.

Se na década de 1970 a estratégia foi a difusão de pacotes tecnológicos, prontos para serem adotados pelos criadores, atualmente a Embrapa Caprinos e Ovinos busca trabalhar em parceria com órgãos representativos dos produtores e entidades públicas e privadas ligadas ao setor produtivo, com foco em captação de demandas e co desenvolvimento de tecnologias que atendam às necessidades específicas.

“Nos últimos dez anos, a Embrapa tem fortalecido relações com entes de fomento, ministérios, parlamentos, levando as demandas de produtores para elaboração de políticas públicas e captação de recursos para pesquisas. Temos procurado, inclusive, parceiros e beneficiários para o desenvolvimento e financiamento das tecnologias, para acelerar os processos de entrega. O intuito é desenvolver tecnologias capazes de solucionar problemas reais, de fácil adoção e alto impacto” explica Ana Clara Cavalcante.

Sistemas de produção mais eficientes

A atuação da Embrapa Caprinos e Ovinos hoje se organiza em cinco eixos:

  • Inovação tecnológica para sistemas de produção;
  • Segurança zoossanitária;
  • Melhoramento genético (animal e vegetal);
  • Agregação de valor aos produtos; e
  • Gestão do conhecimento e da inovação.

Cultivares e animais selecionados, mecanização da produção e outros insumos voltados para promover a inovação tecnológica e tornar os sistemas de produção mais sustentáveis estão relacionados ao primeiro eixo.

As pesquisas incluem a seleção de animais com melhor eficiência alimentar, para que essa característica possa ser transmitida para seus descendentes, e novas cultivares de plantas forrageiras, tolerantes às condições ambientais do ambiente semiárido. Testes com máquinas e implementos para auxiliar na redução do problema com disponibilidade de mão de obra nas propriedades rurais também já integram os projetos de pesquisa.

“Todo esse desenvolvimento de ativos, de cultivares, de animais, de forma transversal, pode trazer soluções viáveis, ajudar a reduzir custos de produção e a necessidade de mão de obra. Esses sistemas de produção poderão ser mais eficientes no uso de seus recursos, mitigar os efeitos das mudanças climáticas e contemplar não só caprinos e ovinos, mas outros animais ruminantes que poderão se beneficiar dessas tecnologias”, destaca Ana Clara.

Prevenção e controle às doenças dos rebanhos compõem outro eixo de atuação da Embrapa. Entre essas pesquisas, destacam-se avanços que podem trazer soluções para problemas como a verminose – com vacina em fase de testes – e a linfadenite caseosa.

“Com o estudo de nanopartículas para uso em medicamentos para linfadenite caseosa, uma das doenças que mais afeta os rebanhos e traz grande prejuízo econômico, estamos trabalhando na fronteira do conhecimento”, ressalta a chefe-geral.

Outra linha de atuação é a de melhoramento genético, com pesquisas nas vertentes animal e vegetal. O melhoramento animal faz, há alguns anos, estudos com genômica para trazer avanços na melhor acurácia, para seleção de animais com características desejáveis para a produção. O melhoramento vegetal trabalha com genes de tolerância à seca e aponta, para o futuro, a possibilidade de trabalhar com edição gênica, considerada, por Ana Clara, como uma mudança disruptiva para caprinocultura e ovinocultura.

A diversidade de produtos que podem ser obtidos a partir de caprinos e ovinos gerou uma tradição em pesquisa responsável pela criação de diferentes itens derivados do leite e da carne dessas espécies. Estudos sobre qualidade do leite; boas práticas na ordenha e produção; desenvolvimento de produtos têm foco na agregação de valor e são realizados em parceria com laticínios e agroindústria de carne.

Um dos destaques é a contribuição para certificação da Manta de Carneiro do Sertão dos Inhamuns (CE) como produto tradicional daquela região. O conhecimento gerado a partir do desenvolvimento de soluções tecnológicas integra outro eixo de atuação, que se destina a compartilhar essas informações com a sociedade brasileira.

“É uma maneira de disponibilizar essas soluções em um formato mais acessível. Já temos aplicativos para gestão de custos de produção, de gerenciamento de rebanhos, de recursos forrageiros e as informações do Centro de Inteligência e Mercado de Caprinos e Ovinos (CIM), que fornecem ferramentas necessárias para que produtores consigam tomar decisões”, frisa Ana Clara.

Este trabalho também gera produtos como cartilhas e vídeos, que podem ser compartilhados de forma ágil em canais como redes sociais. Estes trabalhos de gestão do conhecimento e inteligência territorial já vêm sendo utilizados como subsídios da Embrapa para políticas públicas, como as propostas de mudanças na regulamentação dos leites ovino e caprino e de legislação para pequenos abatedouros. Subsidiam também a formação de redes e composição de parcerias.

Segundo Ana Clara, essa aproximação com outras instituições é importante para que as demandas de produtores sejam levadas a instituições de governo e de fomento, assim como podem facilitar que tecnologias cheguem ao mercado em maior escala.

Cenários de futuro

De acordo com Ana Clara, para os próximos anos, o objetivo da Embrapa Caprinos e Ovinos, como empresa pública, é usar a ciência para colaborar na consolidação do espaço rural como um ambiente de oportunidades para públicos diversos.

“Esperamos, a médio e longo prazo, que as tecnologias possam fazer parte do dia a dia das propriedades rurais, melhorando os indicadores de produtividade e sustentabilidade, gerando impactos positivos e mensuráveis na geração de emprego e renda. Acreditamos que a inovação tem esse poder transformador e as tecnologias serão catalisadoras para o uso de práticas sustentáveis, como uso eficiente de água, sistemas integrados, medicamentos sem resíduos e aproveitamento da biodiversidade da Caatinga, trazendo grandes benefícios para os sistemas pecuários”, aponta a pesquisadora.

Segundo ela, a análise de cenários futuros, antecipando soluções para problemas antes que eles se tornem limitadores para os sistemas de produção de caprinos e de ovinos será uma grande ferramenta para o desenvolvimento da atividade. “Não vamos esperar o futuro, vamos construir o futuro. E não vamos construir sozinhos, vamos contar com a colaboração dos mais diversos parceiros”, conclui.

Produção mundial

De acordo com documentos que registram a criação da Embrapa Caprinos e Ovinos, no início da década de 1970, o Brasil era o 6º produtor mundial de caprinos, com um rebanho de 14,3 milhões de cabeças.

O maior rebanho do País era na região Nordeste, com 11,2 milhões. Os principais produtores no mundo eram Índia, China, Nigéria, Turquia e Paquistão. Os números de 2019 (últimos dados divulgados pelo IBGE) apontam um rebanho de 11,3 milhões de caprinos no Brasil. O Brasil é o 21º produtor e a maior parte do rebanho continua localizado no Nordeste, que possui 10,7 milhões de cabeças.

Os países que mais produzem caprinos no mundo são China, Índia, Nigéria, Paquistão e Bangladesh. Em relação a ovinos, o rebanho efetivo no Brasil, no mesmo período, era de 22,3 milhões. O País era o 11º produtor mundial. O maior centro produtor era o estado do Rio Grande do Sul (53,4% do efetivo nacional),quase exclusivamente para produção de lã. O Nordeste detinha 38, 5% do efetivo nacional, destinado à produção de carne e pele.

Os dados mais recentes indicam um rebanho ovino nacional de 19,7 milhões de cabeças. Os maiores centros produtores são o Nordeste, com 13,5 milhões; o Sul, com 3,9 milhões e o Centro-Oeste com um milhão. O Brasil é o 18º produtor mundial. Os cinco principais são: China, Austrália, Índia, Irã e Nigéria.

Por Canal Rural

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